Sunday, December 30, 2007

O Silêncio dos Azulejos

Londres e Veneza


Volto desta vez a falar sobre azulejos.
A verdade é que me apetecia falar de certo triunfo do(s) porco(s) de que temos recebido nestes últimos dias inúmeras provas. Contudo, para não dizer asneiras fico ainda algum tempo à espera, não vá eu ser enganado pelas primeiras impressões.
Falemos de azulejos.
Temos no património nacional alguns azulejos holandeses do início do século XVIII, extremamente raros. Tão raros quanto desconhecidos.
Foi o que me levou a escrever um artigo que tinha por título “O silêncio dos azulejos” e onde dizia, resumidamente o seguinte:
“Trata-se de azulejos provenientes de Delft na Holanda, que nessa época estava na vanguarda de tal arte, pintados à volta de 1715 por um artista famoso, Cornelis Boumeester. Cada um representa uma cidade europeia de grande importância comercial, naquela época: Londres, Roterdão, Antuérpia, Midelburgo, Hamburgo, Colónia, Veneza e finalmente uma, da qual muitos na Europa de hoje nem querem ouvir falar, Constantinopla.
No mundo, em museus, mãos particulares e no palácio de Rambouillet (França) existem não mais de vinte cinco painéis de Boumeester. Nenhum com vistas de cidades como os da Junqueira!
O estudo dos azulejos, excelente, foi feito e publicado pelo especialista e primeiro director do Museu do Azulejo, João Miguel dos Santos Simões (1907-1972), na Revista e Boletim da Academia Nacional de Belas Artes, 2ª série, nº 1, de 1948”.
Dizia então este estudioso:
“Apesar do seu extraordinário valor e interesse passaram quase despercebidos” e “oxalá em breve possamos apreciar os azulejos no seu ambiente dignificado” porque o palácio possui “um recheio documental único no País e no Mundo”.
Desde então ficou tudo na mesma e os azulejos continuam mais conhecidos na Holanda do que em Portugal.
O Arquivo Histórico Ultramarino (instalado no edifício em que se encontram os azulejos) e o Instituto de Investigação Científica Tropical que o engloba, fazem os impossíveis para preservar este tesouro e ultimamente têm-se empenhado na sua divulgação. Contudo nada podem fazer contra o facto de o palácio sufocar entre um hospital que cresceu pelos seus jardins e uns barracões com tecto de zinco encostados ao lado Norte.
Só neste país de estádios e outras obras faraónicas, que antigamente por muito menos se chamavam “de fachada”, é possível deixar aquele tesouro embrulhado em papel selado, ofícios, pareceres e rubricas orçamentais, enfim, entregue à indiferença oficial.

Tuesday, December 11, 2007

A Marquesa de Távora em Azulejos?







É obviamente uma especulação. Mas talvez achem graça ao que escrevi sobre o assunto com base nos painéis que perteram ao Palácio Galveias (ex- Távora):




"Voltemos agora ao palácio antigo que os Galveias sempre mantiveram no Alentejo. Estão os jardins decorados com vários painéis de azulejos e todos merecem o interesse dos apreciadores. Mas há três em particular que chamam necessariamente a atenção não só pela boa arte mas sobretudo pela sua originalidade. No centro de cada um deles, uma figura feminina de grande beleza e distinção, com os traços fisionómicos reproduzidos com uma tal fidelidade, que permite concluir tratar-se sempre da mesma pessoa. E mais do que isso, atrevo-me a pensar que se está perante retratos da própria marquesa de Távora. Alvitre arriscado, especulação, dirá o leitor.
Vamos à argumentação. Em primeiro lugar os painéis estavam originalmente no palácio do Campo Pequeno. Não querendo separar-se dos lindos azulejos setecentistas quando vendeu a propriedade de Lisboa, a família Galveias arrancou-os cuidadosamente recolocando-os nos jardins da casa alentejana.
Por seu lado o estilo sugere-nos uma datação dos meados do século XVIII altura em que os Távoras voltaram da Índia.
Vão os leitores comparando o retrato miniatura que nestas páginas se reproduz com a figura dos azulejos: o nariz, a testa, os olhos, os cabelos anelados caindo sobre os ombros, tudo se assemelha. E a mesma altivez, quase arrogante, temperada por uma grande beleza.
E digam-me, finalmente, se não são aqueles painéis um desagravo ao desprezo que lhes votou o rei D. José? Trata-se sem dúvida da exaltação da família e dos seus feitos, a contrapor-se ao silêncio a que os queriam remeter. Lá vemos uma alegoria à defesa de Goa, com a marquesa sentada sobre uma peça de artilharia e segurando na mão uma granada a que um pequeno anjo acaba de pegar fogo. No outro painel exalta-se a sua viagem pelos Oceanos, surgindo ela com o tridente de Neptuno a cavalgar um golfinho, animal que também surge representado no brasão dos Távoras.
Temos por fim o painel em que D. Leonor, num trono de nuvens, afaga um pavão, que sugere beleza e até vaidade, mas que é acima de tudo símbolo da imortalidade.
Pobre marquesa. Conseguiu que o seu nome continuasse a ser falado, como ainda agora acabámos de fazer, mas a eternidade chegou para ela mais cedo do que esperava, quando a lâmina do carrasco lhe separou a cabeça dos belos ombros que apreciamos nos retratos.
Tinham-lhe ensinado na Índia que o “13” era favorável e decidiu enfeitar a cara com moscas representando esse número. Acabou por lhe ser fatal."




Wednesday, December 05, 2007

O RELÓGIO DE JUNOT






Há duzentos anos já o general Junot estva instalado em Lisboa havia alguns dias quem sabe se já no palácio Quintela na Rua do Alecrim. Tinha trazido com ele um belo relógio que me inspirou para um artigo no Actual do Expresso sob o título: "Cá se fazem, cá se pagam"




Tratava-se de uma belíssima máquina de duas faces, de mostrador principal em ouro decorado em “guiloché”, com horas minutos e segundos e indicador de corda e o reverso em platina com indicação de meses à volta e mostradores secundários para dias da semana, dias do mês e fases da lua. Junot tinha-o comprado em 24 de Agosto, pouco antes de avançar com o seu exército sobre Portugal, ao fabricante Breguet um mestre suíço com atelier no Quai de l’Horloge na ilha de la Cité em Paris (Abraham-Louis Breguet, 1747-1823).




Esse relógio encontra-se presentemente em Portugal no museu da Fundação Medeiros de Almeida.




Conto o resto da história quando forem os duzentos anos da Convenção de Sintra.



Friday, November 30, 2007

SÓ TIEPOLO ÉRAMOS CINCO




Ainda que o Estado (ou seja, nós) pudesse ter gasto menos dinheiro, a saga do Tiepolo acabou por satisfazer a todos. Sobretudo à casa leiloeira cuja intervenção poderia ter sido dispensada, se as partes tivessem chegado a um acordo, anteriormente ao desencadear da tempestade mediática.
“O Enterro do Senhor” irá para o Museu das Janelas Verdes onde todos o poderemos apreciar. E merece.
Vejam só o que disse o grande especialista Andrew Robinson, da National Gallery of Art de Washington sobre o “remarkable Tiepolo”:

“Truly, for me that is one of is most intensely moving works ….. I personally think of it as a kind of deeply personal testament by the painter at the end of his life”

Aqui lhes deixo as imagens de dois dos outros quadros que pertenceram à mesma colecção Pinto Basto, o que foi doado ao Museu de Arte Antiga nos anos quarenta e aquele que agora se encontra em Stutgart.

Se calhar no fim de contas, ainda vou escrever sobre este, agora famoso, conjunto que foi só e mais nada de cinco obras de Tiepolo. Meteu-se-me na cabeça que hei de saber como cá vieram parar os quadros. Vamos ver o que consigo encontrar.






Sunday, November 25, 2007

BAIXELA GERMAIN & BANQUETES PRESIDÊNCIAIS


Escrevi há pouco tempo no Actual sobre a Baixela da Corte portuguesa, baseando-me em termos gerais numa bela obra de Leonor d’Orey “A Baixela da Coroa Portuguesa” (Edições Inapa, 1990), dizendo a certa altura, de minha lavra e a respeito da mesma, estas inocentes palavras:

“tendo servido aos reis serve ainda hoje aos mais altos magistrados da república para os mesmíssimos desígnios ostentatórios”

Que foste dizer! Passado tempo vejo publicado noutro número do Actual o seguinte texto:

“Relativamente ao artigo “Germain: ourives de Portugal”, publicado no passado dia 20 de Outubro no suplemento do jornal Expresso, gostaríamos de esclarecer alguns aspectos que lamentavelmente não correspondem à verdade.
A Baixela Germain já não é utilizada nos banquetes da Presidência da República há largas décadas e as peças desta mesma baixela, que outrora ornamentavam as mesas e aparadores da Sala da Ceia, foram retiradas na década de 80, atendendo à sua conservação e valorização.
Esta baixela foi objecto de um rigoroso estudo por parte da equipa do Palácio da Ajuda, publicado há 5 anos pelo Instituto Português do Património Arquitectónico. Trata-se de um trabalho que envolveu largos anos de investigação e que vem na sequência da obra da Dra. Leonor d’Orey, publicada há 16 anos, de quem aliás recebemos os mais elogiosos cumprimentos. O estudo do Palácio Nacional da Ajuda pretende dar a conhecer ao público uma renovada perspectiva histórica desta baixela. Desde a concepção das peças em atelier, passando pela sua utilização no cerimonial de Corte, a obra foca ainda a utilização destas peças nos banquetes oficiais no Palácio da Ajuda e apresenta uma tabela técnica que faculta uma visão de conjunto desta aparatosa encomenda régia.
Junto enviamos a referência desta obra, cuja divulgação desde já agradecemos.
GODINHO, Isabel da Silveira (dir. e coord.), A Baixela de Sua Majestade Fidelíssima. Uma Obra de François Thomas Germain, Ministério da Cultura, Instituto Português do Património Arquitectónico, Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa 2002.

Que interessante maneira de promover uma publicação!


Ainda há quem se lembre de ver a baixela ao serviço da P. da República em banquetes lá para o fim dos anos oitenta do longíncuo século XX. Não me pesa na consciência o que escrevi!


Seja como for, até acho bem que a baixela esteja, agora, em bom recato. Assim pelo menos não lhe acontece como a algumas jóias da coroa que se foram da Ajuda para não mais voltar.


Thursday, November 15, 2007

TIEPOLO - O ARTIGO QUE NÃO ESCREVI!


Ainda agora comecei o Blog e já vou dar o dito por não dito!
É que hoje vou falar aqui num artigo que não escrevi.
Rapidamente a história.
Uma pessoa amiga tinha (ou continuará a ter) um quadro de Tiepolo, grande pintor italiano do século XVIII, uma raridade. Conheço mais ou menos a história deste, que é a mesma de outros dois (quais dois, afinal eram cinco!) que já existiram em Portugal. Dei-lhe conta da minha intenção de fazer um artigo sobre o tema. Vi o quadro, fotografei-o mas pediram-me para não fazer o artigo por razões que na altura me explicaram. Cumpri e esperei melhor oportunidade.
Agora o quadro vai a leilão em Lisboa e eu, qual marido enganado, fui o último a saber.

Paciência. A amizade, se verdadeira, aguenta tudo. Vamos continuar amigos.
Mas hei de ser o primeiro publicar a imagem, a não ser que o catálogo da leiloeira já esteja pronto e distribuído.
Apreciem as cores do grande Tiepolo!




Monday, November 12, 2007

O TRIUNFO DO PORCO




O artigo cujos extractos aqui publico foi escrito perto das eleições autarquicas de 2005 (6?), e era dedicado a alguns dos candidatos que, obviamente, ganharam!


“E o colesterol?” perguntam alguns.
Se pudesse falar, o porco responderia que ninguém nos manda cometer excessos, sobretudo quando já não temos idade para isso. Mas diria mais, que do seu pâncreas vem a insulina que ajuda os diabéticos a viver, do seu fígado vêm as células que ajudam a purificar o sangue daqueles que têm a vida presa de um transplante, da sua pele os tecidos que ajudam a recuperar os que foram atingidos pelo fogo, do seu coração as válvulas que permitem a outros corações continuar a bater. Isto é verdade porque sob muitos aspectos fisiológicos o homem é muito parecido com o porco. Diz um ditado que se “queres conhecer o teu corpo, abre e desmancha o teu porco”.
O porco vive para comer - diz-se com desdém. Muitos de nós também, digo eu. Além de que ele, tal como nós, come de tudo: carne, peixe, fruta, legumes ou cereais. Numa palavra, é omnívoro. Só que come para morrer, ou melhor, para ser morto. E aí vem o pior da história. Querem os comunitários ditadores que morra de forma industrial, ascética, inodora e insonora. E nunca mais daquela forma ritual, solidária e familiar, que são os humildes atributos da tradicional matança.
Coitado do porco.
Só a cultura, tanto a erudita como a popular (a autêntica, não a pimba, naturalmente) lhe dá o devido valor.


... ...

É o merecido, legítimo e reconfortante triunfo do porco.
Não o passageiro triunfo dos vaidosos e hipócritas suínos com que Orwell pôs a nu a ingenuidade de Marx e dos seus utópicos companheiros.
Nem tão pouco - ambivalências da política - os possíveis e lamentáveis triunfos a que, em alguns casos, vamos assistir nestes próximos dias.

APRESENTAÇÃO

Este blog foi iniciado (?) quando escrevi para o Actual do Expresso um texto com o título “O Triunfo do Porco”. Isso foi já há muito tempo e logo depois de iniciado parou, como muitas coisas em Portugal, mas não por falta de verba, mas sim de imaginação.

Desta vez vai.
Escrevo todos os meses para o Expresso, sobre antiguidades, História, histórias de antiguidades e para terminar com uma boa redundância, antiguidades da História.
Enfim, textos de divulgação, leves e por vezes curiosos. Tento não divulgar asneiras, o que nem sempre consigo.
Aqui publicarei de cada vez um resumo ou uma ou mais partes de cada artigo, começando pelos mais antigos, juntamente com uma ou mais fotografias.

Quando me der na gana falarei de outras coisas.